Reclamar – o verbo que te adoece.
No mês passado minha avó partiu. Forte, corajosa e comprometida, nunca ninguém a viu reclamar. Entre nossa família e seus amigos, uma frase se repetia em seu funeral: “Nunca a vi reclamar de nada”. Realmente, reclamar não fazia parte de sua vida. Olhando para a frente, sempre procurava a solução para os problemas que se apresentavam. Ela nos deixou esse legado.
Infelizmente, nem todas as pessoas têm esse ótimo hábito. É muito comum reclamar quando algo sai diferente do que se espera ou planeja. Muita das vezes, nem se tem uma opinião sobre aquele assunto, mas reclamar faz parte do diálogo sobre aquele tema desconhecido. Nos elevadores, nas ruas, nas redes sociais, enfim, reclamar virou um hábito fácil de encontrar por aí.
Reclamar adoece o cérebro
Reclamar de vez em quando é normal. Todos nós fazemos isso. Mas quando isso vira um padrão — um jeito automático de reagir à vida — o impacto pode ser maior do que parece.
Quando reclamamos com frequência, nosso cérebro começa a se adaptar a esse comportamento. Ele entende que “reclamar é importante” e passa a reforçar os circuitos ligados à frustração, raiva e impotência. Chamamos isso de neuroplasticidade: quanto mais usamos um caminho mental, mais fácil fica usá-lo de novo. Resultado? A tendência de ver tudo pelo lado negativo se fortalece.
Além disso, reclamar ativa nosso sistema de estresse. O corpo libera mais cortisol, o famoso hormônio do estresse, que quando se mantém elevado por muito tempo, pode gerar ansiedade, insônia, irritabilidade e até queda na imunidade. É como se o corpo ficasse preso em estado de alerta — mesmo quando não há um perigo real.
Na prática clínica, vemos isso se traduzir em padrões cognitivos distorcidos, como o “filtro negativo” (quando a pessoa só enxerga o que está ruim) ou a “catastrofização” (transformar qualquer pequeno problema em uma grande tragédia). Isso alimenta sintomas depressivos e ansiosos, gerando um ciclo difícil de quebrar.
E tem mais: a reclamação constante afeta também nossos relacionamentos. Pode contaminar o ambiente, desgastar vínculos e afastar as pessoas. Quem nunca saiu de perto de alguém que só sabe reclamar?
Por fim, reclamar demais pode nos desconectar da responsabilidade pelas mudanças que queremos. É como se, ao reclamar, a gente entregasse o poder ao problema, em vez de buscar soluções e caminhos novos.
O convite aqui não é fingir que está tudo bem o tempo todo. Mas sim, desenvolver consciência sobre a forma como reagimos à vida.
Transformar a reclamação em reflexão.
Trocar a crítica automática por ação intencional.
Quer uma dica prática? Experimente passar um dia inteiro sem reclamar — nem mentalmente. Apenas observe. O exercício é simples, mas revelador.
Nos vemos na próxima edição — até lá, cuide da mente com a mesma dedicação que cuida dos seus sonhos.